Referência: Obesity (Silver Spring). 2025 Sep;33(9):1657-1667
Conclusão prática: No mundo real, a perda de peso com os agonistas do GLP-1 pode não corresponder aos resultados vistos nos ensaios (e na mídia), portanto gerencie as expectativas de acordo.
Pérola da MBE: O viés de seleção tende a insuflar a magnitude do efeito de uma intervenção. Reconhecer o viés de seleção em suas várias formas é fundamental para a aplicação acurada das evidências na assistência ao paciente.
"Ozempic®" se tornou um nome familiar e um tópico de discussão frequente na cultura pop. Os agonistas do receptor GLP-1, como a semaglutida e a tirzepatida, foram descritos como drogas modernas milagrosas e até foram comparados à penicilina em termos do seu impacto. Isso pode ser um exagero, e um novo estudo na Obesity sugere que é. Dados do mundo real demonstram que esses injetáveis podem não ser tão efetivos para a perda de peso em longo prazo quanto os primeiros ensaios indicaram—em grande parte devido aos problemas de tolerabilidade que levam a altas taxas de descontinuação do tratamento e dificuldades em manter as doses mais altas.
Um estudo de coorte retrospectivo publicado neste mês na Obesity analisou dados de prontuários eletrônicos de quase 8000 adultos (idade média de 51 anos, IMC médio de 40) com sobrepeso ou obesidade, mas sem diabetes tipo 2, que receberam semaglutida (78%) ou tirzepatida (12%) para perda de peso. A maioria tinha seguro de saúde privado, todos tinham acesso aos medicamentos e um quarto vivia nas áreas de menor carência de acordo com o Area Deprivation Index. O desfecho primário foi a perda de peso estratificada pelo tempo até a descontinuação, categorizado como descontinuação precoce (0-3 meses), descontinuação tardia (3-12 meses) ou uso continuado a 12 meses.
A descontinuação precoce ocorreu em 22% dos pacientes com a semaglutida e 16% com a tirzepatida. A descontinuação tardia acrescentou outros 31% e 34%, respectivamente, deixando apenas cerca de metade dos pacientes ainda em terapia a 12 meses. A tolerabilidade pareceu limitar o aumento da dose, com 80% permanecendo nas doses baixas durante o tratamento. As doses de manutenção que foram consideradas altas foram 1,7–2,4 mg para a semaglutida e 10–15 mg para a tirzepatida; todas as outras foram consideradas doses baixas. Embora as razões para a descontinuação não tenham sido capturadas por esses dados, as náuseas, vômitos, diarreia, constipação e dispepsia/gastrite são bastante comuns com os agonistas do GLP-1, e tendem a ser dependentes da dose.
A perda de peso com a semaglutida ou tirzepatida seguiu um padrão previsível: quanto maior a duração do uso e quanto maior a dose, maior a perda do peso. Os pacientes que as interromperam precocemente perderam em média 3,6% do peso basal, em comparação com 6,8% com a descontinuação tardia e 11,9% para aqueles que ainda tomavam a medicação a 12 meses. Os pacientes que permaneceram em terapia com altas doses por 12 meses perderam 13,7% com a semaglutida e 18% com a tirzepatida. Em um subgrupo de pacientes com pré-diabetes, a HbA1C caiu em média 0,4%.
Esses números do mundo real são menores que a perda de peso demonstrada em dois dos ensaios clínicos mais proeminentes, os quais, e isso é importante, tiveram uma duração significativamente mais longa. O ensaio STEP-1, da semaglutida, relatou uma perda de peso média de 14,9% em 68 semanas, e o ensaio SURMOUNT-1 da tirzepatida relatou 20,9% de perda de peso a 72 semanas para a dose mais alta. Se extrapolarmos a tendência observada nos dados do mundo real para 72 semanas, esperaríamos taxas mais altas de descontinuação e uma perda do peso muito menor que a relatada nos ensaios clínicos a 72 semanas. Mesmo assim, muito poucos outros medicamentos chegam perto da perda de peso demonstrada com os agonistas do GLP-1: a perda de peso no mundo real com o uso off-label da metformina, do topiramato, da bupropiona e da zonisamida está tipicamente na faixa dos 2% a 5%—o que é um bom lembrete de por que os agonistas do GLP-1 foram considerados "drogas milagrosas" quando surgiram.
Por que achamos que os ensaios clínicos dos agonistas do GLP-1 superestimaram a magnitude do efeito? Além das condições ideais dos ensaios clínicos, que oferecem melhor suporte, dosagem rigidamente controlada, acompanhamento mais frequente etc., um dos maiores motivos é o viés de seleção. Tanto no ensaio STEP-1 quanto no SURMOUNT-1, o viés de adesão foi provavelmente um fator importante. No entanto, qualquer uma das muitas formas de viés de seleção pode contribuir para a superestimação dos benefícios do tratamento e a subestimação dos danos, incluindo:
- Viés de adesão (viés do participante saudável): Os participantes que aderirem às intervenções do estudo provavelmente aderirão a outras recomendações relacionadas à saúde, como não fumar, fazer exercícios, seguir uma dieta saudável e fazer check-ups regulares e exames para câncer. Esses hábitos saudáveis básicos se traduzem em melhores desfechos de saúde em geral, independentemente da intervenção.
- Viés do voluntariado (auto-seleção): Os voluntários que estiverem motivados o suficiente para procurar ou responder a um convite de inscrição em um ensaio podem ter maior probabilidade de serem mais motivados em geral. O voluntariado, em muitos casos, representa um maior acesso à internet ou a transporte, bem como um status socioeconômico mais alto, o que geralmente está associado a melhores desfechos de saúde, independentemente da intervenção.
- Viés de perda do acompanhamento/atrito: O viés de atrito é o outro lado do viés de adesão. Os participantes que não aderem aos protocolos do estudo ou desistem são sistematicamente diferentes daqueles que permanecem e tendem a ter desfechos de saúde piores, independentemente da intervenção. Quando as pessoas que abandonam ou trocam de protocolo são excluídas da análise, o que acontece em uma análise pelo protocolo, os desfechos piores são sistematicamente removidos e a equivalência prognóstica entre os grupos de estudo fica comprometida, quase sempre favorecendo a intervenção e, assim, superestimando o efeito do tratamento. As diferentes perdas de acompanhamento entre os grupos de tratamento também é um problema.
- Viés de encaminhamento: Quando os pacientes são recrutados em centros de atendimento terciário, eles tendem a estar mais doentes e a ter condições de saúde mais complexas e, portanto, têm um maior potencial de melhora que os pacientes que não estão doentes o suficiente para serem encaminhados da atenção primária.
Então, de volta ao mundo real. O que dizemos aos nossos pacientes sobre os agonistas do GLP-1 para a perda de peso? A verdade: esses medicamentos podem resultar em uma perda de peso substancial, mas apenas se os pacientes puderem tolerá-los e mantê-los, o que, de acordo com este estudo, é uma chance de cerca de 50/50 em 1 ano. Achamos que é seguro dizer que o Ozempic® não é a penicilina, mas quando se trata de perda de peso, só o tempo dirá se ele é uma medicação verdadeiramente milagrosa ou uma moda passageira da cultura pop.
Para mais informações veja o tópico Medicamentos antiobesidade para adultos na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, FAAFP, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto sênior da DynaMed; Gayle Sulik, PhD, editora médica sênior e líderda equipe de cuidados paliativos da DynaMed; McKenzie Ferguson, PharmD, BCPS, redatora médica sênior da DynaMed; Rich Lamkin, MPH, MPAS, PA-C, redator médico da DynaMed; Matthew Lavoie, BA, revisor médico sênior da DynaMed; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior II da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.